29 de abr. de 2011

Fantasmas de uma Batalha sem fim

No decorrer da entrevista coletiva concedida logo após a dolorosa derrota gremista diante do Universidad Católica, Paulo Odone tentou animar a torcida, dizendo que ainda é possível a classificação, que vencer no Chile não é missão impossível e por aí vai. Durante seu discurso, acabou lembrando da infelizmente nunca esquecida Batalha dos Aflitos, citando o acontecido como exemplo de que tudo é possível para o Imortal Tricolor.

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Concordo com ele em um ponto: a fantasmagórica vitória sobre o Náutico no distante 2005 serve sim como um exemplo. Mas não no sentido positivo que Paulo Odone quis aplicar na torcida gremista. É, isso sim, exemplo de todas as coisas erradas que o Grêmio tem feito nessa década, e da única fórmula que tem sido empregada para tentar resolver esses problemas: uma mistura indigesta de esforço extremo, autismo e raciocínio mágico. Uma poção mágica na qual sempre acabam faltando dois ingredientes fundamentais para qualquer time vencedor: planejamento e, especialmente, futebol.

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Despida de todo o heroismo, a Batalha dos Aflitos foi um último e dramático ato no festival de incompetências que fez o Grêmio desabar para a segundona pela segunda vez em sua história - e que teve sim reflexos na campanha para o retorno à elite, marcada por contratações questionáveis e por maus resultados em partidas decisivas. Não foi uma conquista, pelo contrário - foi o encerramento dramático e catártico de uma grande vergonha coletiva. Podia, inclusive, ter sido muito positivo para o futuro, caso tratado do modo correto. Foi comemorado, de forma muito justa e adequada, nos dias seguintes à improvável vitória. A partir daí, virou um exagero absurdo de cânticos, hinos, livros e DVD, até transformar-se no que é hoje: um fantasma que insiste em puxar o pé dos gremistas, sempre atrapalhando o futuro e prendendo o Grêmio a um modelo que não vai trazer títulos tão cedo - possivelmente, nunca.

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Dito isso, torna-se um exercício do absurdo citar essa partida como exemplo do que deve ser feito para avançar na Libertadores da América. Para ganhar um título continental, temos que buscar uma simbologia totalmente oposta - uma cartilha que leve em conta planejamento estratégico, contratações criteriosas, trabalho sério e abnegado durante um tempo muito maior do que a pré-temporada de cada ano. Um modelo, aliás, que dispensaria demonstrações estrondosas de heroismo exacerbado, como a que será necessária caso o Grêmio queira estender um pouco mais a sua agonia na competição continental.

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Mais do que inadequado, citar a Batalha dos Aflitos para animar a torcida em uma Libertadores beira a vergonha coletiva. É um sinal eloquente de como estamos, todos os gremistas, tremendamente equivocados e fazendo tudo errado por anos a fio. Mostra com clareza que estamos fora de foco, valorizando a raça e a vitória contra tudo e todos como se ela fosse o ponto principal, e não apenas um dos muitos aspectos de um time vencedor. A Batalha dos Aflitos não deveria ser um símbolo do que buscamos, mas justamente o contrário: um sinal inesquecível do que não queremos ser nunca mais. Mas continuamos invocando o tormento, continuamos querendo a redenção no último momento, continuamos achando que vitória boa é a que desafia toda e qualquer lógica do futebol. E, por meio dessas vitórias, continuamos fracassando.

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